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Capítulo 7


Subcomandante Marcos


(Original em espanhol)


Participação na conferência do dia 16 de dezembro pela tarde.


A diferença entre o irremediável e o necessário é que para o primeiro
não é preciso se preparar. E só a preparação torna possível o segundo”.
Don Durito da Lacandona


Antes, não só neste colóquio, mas também nele, temos assinalado o caráter belicista do capitalismo.


Agora queremos acrescentar que a guerra não é só uma forma, é certamente a essência pela qual o Capitalismo se impõe e implanta na periferia.


É também um negócio em si mesmo. Uma forma de obter lucros.


Paradoxalmente, é na paz onde é mais difícil fazer negócios. E digo “paradoxalmente” porque se supõe que o capital necessita de paz e tranqüilidade para desenvolver-se. Talvez isso tenha sido antes, não sei, o que vemos é que agora ele necessita da guerra.


Por isto a paz é anticapitalista.


Se fala pouco dele, ainda menos no México, mas o peso econômico da industria militar e seus gigantescos lucros (que obtêm cada vez que o supostamente agonizante poder norte-americano decide “salvar” o mundo democrático de uma ameaça fundamentalista... que não seja a sua, é claro), não são nada desprezíveis.


Nos aspectos teóricos, tal como, conforme nosso entender, assinalou faz umas horas Jean Robert, é necessário estar questionando “os solos” sobre os quais se põem em pé na terra um planejamento científico. Pensamos que o conceito de “guerra” dos analistas teóricos anti-sistêmicos pode ajudar a solidificar solos ainda pantanosos.


Contudo não se trata apenas de uma questão teórica. Robert Fisk, por um lado, e Naomí Klein, por outro, contribuem enormemente para tirar o véu que ocultava a encenação da guerra no Iraque. Não de um escritório ou afrente de um monitor que administra a informação dos grandes monopólios midiáticos, e sim se dirigindo pessoalmente ao lugar dos fatos, ambos chegam às mesmas conclusões.

Mais ou menos nos dizem: “Vá! Acontece que não se está libertando o Iraque da tirania de Hussein, e sim, simples e sensivelmente, está se fazendo negócios. E, inclusive, o aparente fracasso da invasão é também um negócio”.

Vou lhes recomendar um livro: É este. “A doutrina do choque. O auge do capitalismo do desastre”, de Naomi Klein. É um desses livros que vale apena ter em mãos. É ainda um livro muito perigoso. Seu perigo reside em entender o que se diz.

Quando escrevo isto suponho que Naomi Klein tenha enfocado os eixos centrai do exposto no seu pensamento, assim que não repetirei. Só assinalo que trata de aspectos do funcionamento capitalista que são passados por alto ou ignorados por não poucos teóricos e analistas de esquerda no mundo.


Don Pablo Gonzáles Casanova é outro dos que avança no desmonte das velhas e novas realidades do capitalismo no México e no mundo, e um olhar generoso no tempo, e respeitoso na análise de nosso e e vir como zapatistas.


Temos aqui dois dos representantes de duas gerações de analistas do sistema capitalista, sérios, sérias, brilhantes, e além disso com algo que se esquece no meio teórico e intelectual: são pedagógicos, ou seja, se fazem entender.


Don Pablo Congález Casanova é um homem sábio. É o único intelectual em que os companheiros e companheiras falam com confiança. Eu, que tenho mais de vinte e tantos anos vivendo com nossos povos, sei o quanto é difícil ter sua confiança.


Presenteamos Naomi Klein, junto com Don Pablo, com esta muñequita com um caracol. O caracol em nossos povos é como se convoca as pessoas para o coletivo. Quando os homens estão nos milharais e as mulheres nos trabalhos, o caracol convoca para se reunirem em assembléia e é daí acontece o coletivo. Por isso dizemos que ele é o “chamador dos nossos”.


Nossa admiração e respeito coletivo para Don Pablo, também são pessoais. Eu só posso dizer que, quando eu crescer, quero ser omo Don Pablo Gonzáles Casanova. Devo acrescentar ainda que ele é um desses que nos provoca recaídas chovinistas e nos faz dizer que é uma honra ser mexicano.


Don Pablo, lhe presenteio com este livro de Naomi Klein. Contem novos elementos para entender novos caminhos que o capitalismo está seguindo. Se eu o presenteio é porque já tenho outro.





Quero aproveitar a ocasião para comunicar-lhes algo.


Esta é a última vez, ao menos em um bom tempo, que saímos para atividades deste tipo, me refiro ao colóquio, encontros, mesas redondas, conferências, além de, obviamente, entrevistas.


Algumas pessoas que têm moderado estas conferências coletivas têm me apresentado como o porta-voz do EZLN, e hoje de manhã li que alguém se refere a mim, além de porta-voz, como “ideólogo” do zapatismo. Óra! “Ideólogo”, e isso dói muito?


Observem, o EZLN é um exército. Bem diferente, é verdade, mas é um exército.

E, além da parte que vocês querem ver do Sup (quero dizer, além de suas belas pernas), como porta-voz, “ideólogo” ou o que seja, creio que já têm idade para saber que o Sup é, alem disso, o chefe militar do EZLN.


Como há tempo não ocorria, nossas comunidades, nossas companheiras e companheiros, estão sendo agredidas.


Já havia ocorrido antes, é verdade.


Mas é a primeira vez desde aquela madrugada de janeiro de 1994 que a resposta social, nacional e internacional, tem sido insignificante ou nula.


É a primeira vez que estas agressões provém descaradamente de governos de suposta esquerda, ou que se perfazem com o apoio sem dissimulação da esquerda institucional.


No jornal de hoje se pode ler que o personagem representativos dos fazendeiros chiapanecos que lhes falei ontem, o senhor Constantino Kanter, acaba de ser nomeado funcionário no governo perredeista de Juan Sabines , em uma posição onde os recursos financeiros poderão ser destinados sem problemas para os grupos paramilitares.


Esta é também a primeira vez que encontramos fechados, à Flor e Canto, os espaços onde as pessoas comuns se inteiravam do que se passava com nosso movimento, com nossas reflexões e nossos chamados.


E não é só.


Faz uns meses, em ocasião de uma das mesas redondas que participamos na Cidade do México, uma pessoa dessas que formam filas nas modernas “camisas pardas” do lopezobradorismo (e que têm como comando pessoas metidas a cretinas e a cagatintas da estirpe de Jaimes Avillés, do periódico La Jornada), interpelou os zapatistas (estávamos a Comandanta Miriam, o Comandante Zebedeo e eu) perguntando, com tom petulante e inquisidor, mais ou menos, por que não deixávamos que a “gente progressista deste país avançasse na democracia do México”. Assim disse. Nós acabávamos de detalhar uma série de fatos que fundamentavam nossa distancia do PRD e do lopezobradorismo que, certamente, a bem vestida senhora não escutou.


Aos argumentos que expomos, os cinco ou seis personagens enviados responderam primeiro com mentira (que AMLO havia se afastado do governador Sabines e demais personagens que haviam se alinhado com Felipe Calderón, que a CND era anticapitalista, e coisas do gênero) e logo com suas palavras de ordem, “é um horror, estar com obrador”. O Comandante Zebedeo me perguntou depois o que estávamos fazendo ali e quem era essa gente que nem sequer escutava o que dizíamos.


Uns dias depois, o bichano (com perdão dos gatos) que preside o Partido da Revolução Democrática, Leonel Cota Montaño, nos acusou de ter provocado, com nossas críticas, a derrota eleitoral (assim disse) de López Obrador nas eleições presidenciais de 2006.


Antes, praticamente desde o arranque da Sexta Declaração da Selva Lacandona, o lopezobradorismo ilustrado encontrou aberto os espaços para atacarmos, ao mesmo tempo nos fechavamos em nós mesmos.


Foi nos dito de tudo ao longo deste calendário. Parafraseando Edmundo Valadez, “a merda teve permissão” e na chamada intelectualidade progressista e de esquerda se disseram, desenharam e escreveram coisas que envergonharam a mais reacionária imprensa de nosso país, mas que na esquerda institucional e em seus satélites foram festejadas.


Nas palavras de um intelectual de “esquerda”, depois da fraude eleitoral de 2006: “por essa não vamos perdoar Marcos”.


Estou assinalando um fato simples e contatável. Um fato que previmos inclusive desde antes de 19 de junho de 2005, momento em que tornamos pública nossa Sexta Declaração da Selva Lacandona, e para o qual nos preparamos.


Ocorrem também incidentes, sobretudo no último percurso que fizemos para o Encontro de Povos Indígenas da América, realizado em Vican, Sonora, que nos advertem e nos previnem.


Sabemos e entendemos que pensem que só ocorram coisas se os meios ou um meio de comunicação específico a informa. Lhes digo que não é assim, já faz tempo que ocorrem muitas coisas que são caladas ou ignoradas.


Entendemos que nossas posições sejam recebidas com a mesma abertura e tolerância de anos.


Entendemos que se apóie e publicite uma visão e uma posição política e que se faça “casamentos” para deixar de fora qualquer questionamento ou posição dissidente.


Entendemos também que para alguns meios de comunicação só sejamos notícias quando estamos matando ou morrendo, mas, pelo menos por hora, preferimos que se cessem suas notícias, e nós trataremos de seguir adiante em consolidar o esforço civil e pacífico que se chama A Outra Campanha, e, ao mesmo tempo, estaremos preparados para resistir somente com reações às agressões sofridas por nós, sejam feitas por exército, polícias ou paramilitares.


Para nós que temos estado em guerra, aprendemos a reconhecer os caminhos pelos quais ela se prepara e se aproxima.


Os sinais de guerra no horizonte são claros.


A guerra, como o medo, também tem odor.


E agora já se começa a respirar seu fétido odor em nossas terras.


Nas palavras de Naomi Klein, devemos nos preparar para o choque.


Ademais, nestes dois anos que temos estado fora, nossa produção teórica, reflexiva e analítica tem sido mais abundante que nos 12 anos anteriores. O fato de que não apareça nos meios públicos habituais não significa que não exista. Aí estão nossas concepções, caso alguém se interesse em discutí-las, questioná-las ou confrontá-las com o que agora ocorre no mundo e em nosso país. Talvez se isto somar um pouco, então verão como advertência o que hoje é realidade.


Em fim, assim está. Talvez agora se entenda o tom como de “aí vos encarrego” que nossas participações tem tido.





Quando as zapatistas, quando nós zapatistas falamos, pomos adiante o vermelho coração que bate em coletivo.


Entender o que dizemos, fazemos e fazeremos, é impossível se não consegue sentir nossa palavra.


Eu sei que os sentimento não têm cabido na teoria, quanto menos na que agora anda ao tropeços.


Que é muito difícil sentir com a cabeça e pensar com o coração.


Que não são menores as masturbações teóricas que o plantar desta possibilidade criou, e que as estantes de livrarias e bibliotecas então cheias de tentativas falidas ou ridículas disto que vos digo.


O sabemos e entendemos.


Mas insistimos que esta concepção é correta, o incorreto é o lugar em que se está querendo a implantar.


Porque para nós zapatistas, o problema teórico é um problema prático.


Não se trata de promover o pragmatismo ou de voltar às origens do empirismo, e sim de assinalar claramente que a teorias não só não devem isolar-se da realidade, e sim devem buscar nela os maços que as vezes são necessários quando se encontra um beco sem saíta conceitual.


As teorias redondas, completas, acabadas, coerentes, são boas para apresentar exame profissional ou para ganhar prêmios, mas costumam virar cacos com o primeiro vendaval de realidade.


Temos escutado nesta mesa luzes e lampejos que, a nós zapatistas, nos dão fôlego e folga.


Essa mescla explosiva de conhecimento feito de sentimento com o que nos deslumbrou e comoveu John Berger;


o questionamento lúcido e sem concessões de Jean Robert;


a análise concreta e implacável de Sergio Rodríguez;


a serena clareza das reflexões de Francois Houtart;


a honesta história do que se passou e passará com um movimento que nós não só respeitamos, mas também admiramos, o do MST, contato pelo companheiro Ricardo Gebrim;


o pensamento rico e abarcadora de Jorge Alonso;


a entusiasta descrição de Peter Roset;


a brilhante referência que Gilberto Valdez fez das discussões teóricas que se processam agora na Cuba revolucionária;


as proveitosas provocações teóricas de Gustavo Esteva;


a nobre lucidez de Sylvia Marcos;


os avanços teórico-analíticos de Carlos Aguirre Rojas;


a luz de grande entusiasmo de Immanuel Wallerstein;


e faz uns anos, a sapiência irmã e companheira de Don Pablo, e a inquieta iluminação sobre o cinismo capitalista de Nami Klein.


Saudamos também as companheiras e companheiros que moderaram as sessões deste colóquio.


Meu respeito àqueles que trabalharam na tradução das apresentações, e minhas desculpas sinceras pelos problemas que devem ter provocado os “modos” de falar zapatista do senhor Coruja, Dezembro, Magdalena e Elías Contreras.


Há, contudo, algo maior que não está no que se vê, porque se vê como se faz.


Me refiro às companheiras e aos companheiros que dizemos vibrantes e luminosos, e, sobretudo, a todas as jovens e todos os jovens indígenas que estudam e trabalham aqui no CIDECI com o Doutor Raymundo Sánchez Barraza.


Já que falamos em olhares, creio que o mínimo que podemos fazer é não só ver seu trabalho (fundamentalmente foram quem tornou possível este colóquio), mas também vê-los, a eles e a elas.


Agradeço também, e muito especial e carinhosamente a equipe de apoio da Comissão Sexta do EZLN. Agradeço Julio. Agradeço Roger.


Eu sei que estão estranhando o fato de estar dizendo sito, sendo que ainda falta a homenagem a Andrés Aubry que será amanhã e a declaração-advinha de seu doutorado.


Para isto, prevendo o dia de amanhã, chegarão minhas chefas e meus chefes do Comitê Clandestino Revolucionário Indígena da zona Altos, junto com autoridades autônomas e comissões de trabalha da Junta de Bom Governo de Oventik.


Elas e eles terão então nossa palavra e, como agora pela minha, por sua voz falaremos o todo que somos.







Como última parte de nossa estendida intervenção neste colóquio, quero explicar o que queremos assinalar com o título geral, esse “Nem o centro, nem a periferia”.


Nós pensamos que não se trata só de evitar as armadilhas e concepções, teóricas e analíticas neste caso, que o centro põe e impõe à periferia.


Tampouco se trata de intervir e agora mudar o centro gravitacional para a periferia, para daí “irradiar” ao centro.


Acreditamos, ao contrário, que essa outra teoria, algumas das quais os traços gerais foi apresentado aqui, deve romper também com essa lógica de centros e periferia, deve então ancorar-se em realidades que irrompem, que amergem, e, assim, abrir novos caminhos.


Se é que este tipo de encontro se repete, creio que estarão de acordo comigo que a presença de movimentos anti-sistêmicos, como agora o do Movimento dos Sem Terra do Brasil, são particularmente enriquecedores.


Bem, creio que é tudo.


Ah, antes que me esqueça: ai vos engarrego.


Muchas gracias a todas, a todos.

Subcomandante Insurgente Marcos.
San Critóbal de Las Casas, Chiapas, México.
Dezembro de 2007.



Notas[]

  • Referente ao Partido da Revolução Democrática (PRD), partido dito de oposição ao PAN, do atual presidente Felipe Calderón, e ao PRI, que governou o México durante mais de 60 anos. (N.T.)
  • Licenciado em Ciências Políticas e Administração Pública ingresado na Universidade Iberoamericana, governador de Chiapas pelo PRD eleito em 2006, ex-filiado ao PRI e filho de Juan Sabines Gutiérrez, que foi governador de Chiapas, senador e deputado federal. (N.T.)
  • Sigla usada para referir-se a Andrés Manuel López Obrador (PRD). (N.T.)
  • Conferência Nacional Democrática – fundada inicialmente com o apoio zapatista, depois transformada em instituição política a favor do PRD e do PT, momento no qual o EZLN se afastou. (N.T.)
  • Centro Indígena de Capacitação Integral, em San Cristobal de Las Casas, Chiapas, México.


Nem o centro e nem a periferia
Olhar o azul - o calendário e a geografia da memória Sentir o vermelho - o calendário e a geografia da guerra
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