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Dias de Guerra, Noites de Amor
CrimethInc


1. "Propriedade Intelectual"

Fomos todos ensinados desde jovens que não há nada de novo neste mundo. Sempre que uma criança tem uma idéia empolgante, uma pessoa mais velha rapidamente lhe diz que ou que esta idéia já foi tentada antes e não funcionou, ou que outra pessoa não apenas teve a mesma idéia, mas também a desenvolveu e a expandiu além de limites que nenhuma criança conseguiria. "Aprenda e escolha entre as idéias e crenças que já estão em circulação, ao invés de buscar desenvolver e arranjar as suas próprias", é a mensagem, e esta mensagem é passada claramente pelos métodos de instrução usados tanto em escolas públicas quanto privadas no mundo Ocidental.


Apesar dessa atitude comum, ou talvez por causa dela, nós somos muito possessivos com as nossas idéias. O conceito de propriedade intelectual está entranhando na psicose coletiva ainda mais fundo que o conceito de propriedade material. Muitos pensadores já disseram que "propriedade é roubo" ao falar de imóveis e outros capitais físicos, mas poucos ousaram dizer o mesmo sobre suas próprias idéias. Mesmo o mais notório dos pensadores "radicais" orgulhosamente proclamaram suas idéias como, acima de tudo, suas idéias.


Conseqüentemente, pouca distinção é feita entre pensadores e seus pensamentos. Estudantes de filosofia estudarão a filosofia de Descartes, estudantes de economia estudarão Marx-ismo, estudantes de arte estudarão as pinturas de Dalí. Na pior das hipóteses, o culto da personalidade que se desenvolve ao redor de pensadores famosos evita qualquer consideração útil de suas idéias ou trabalhos de arte; partidários da adulação de heróis juram aliança a um pensador e todos os seus pensamentos, enquanto outros que têm algum preconceito contra o "proprietário" das idéias têm dificuldades para não ter preconceitos contra as próprias idéias. Na melhor das hipóteses, esta ênfase no "autor-proprietário" quando consideramos suas proposições ou obras é irrelevante ao valor das próprias proposições ou obras, mesmo se as estórias sobre o indivíduo em questão são interessantes e possam encorajar pensamentos criativos por si próprias.


As próprias suposições por trás do conceito de "propriedade intelectual" exigem mais atenção do que temos lhes dado. Os fatores que afetam as palavras e feitos de um indivíduo são muitos e variados, entre os quais o ambiente sócio-cultural e a contribuição de outros indivíduos são de grande relevância. Dizer que uma idéia tem toda sua origem somente em um indivíduo, homem ou mulher, é de um simplismo grosseiro. Mas estamos tão acostumados a alegar que itens e objetos são nossos e a sermos forçados a aceitar alegações similares dos outros, nesta competição sangrenta que é a vida na economia de mercado, que parece natural fazermos o mesmo com as idéias. Certamente devem haver outras formas de pensar sobre as origens e propriedade das idéias... pois nossa visão atual fazem mais do que nos distrair das próprias idéias.


Nossa tradição de reconhecer "direitos da propriedade intelectual" é perigosa pois ela deifica endeusa o "pensador" e o "artista" publicamente conhecido às custas de todos outros. Quando idéias são sempre associadas a nomes próprios (e sempre aos mesmos nomes próprios), isto sugere que pensar e criar são habilidades especiais pertencem a alguns indivíduos seletos. Por exemplo, a glorificação do "artista" na nossa cultura, que inclui o estereótipo dos artistas como "visionários" excêntricos que vivem no limite (na "vanguarda") da sociedade, encoraja as pessoas a acreditar que artistas são significativamente e fundamentalmente diferentes dos outros seres humanos. Na verdade, qualquer um pode ser um artista, e todos o são, em alguma medida. Mas quando somos levados a acreditar que ser criativo e pensar criticamente são talentos que somente poucos indivíduos possuem, aqueles de nós que não foram sortudos o suficiente para serem batizados "artistas" ou "filósofos" por nossas comunidades não farão muito esforço para desenvolver essas habilidades. Logo, ficamos dependentes dos outros para muitas de nossas idéias, e devemos ficar contentes como espectadores do trabalho criativo dos outros.


Outro inconveniente incidental de nossa associação das idéias com indivíduos específicos é que isso promove a aceitação destas idéias em sua forma original. Os estudantes que aprendem a filosofia de Descartes são encorajados a aprendê-la de forma ortodoxa, ao invés de aprender as partes que eles acham relevantes às suas próprias vidas e interesses e combinar essas partes com idéias de outras fontes. Por respeito ao pensador original, endeusado como ele é em nossa tradição, seus textos e teorias devem ser preservados como estão, sem jamais serem postos em novas formas ou contextos que possam revelar novas idéias. Mumificadas, muitas teorias se tornam completamente irrelevantes à existência moderna, quando poderiam enriquecer a vida se fossem tratadas com um pouco menos de reverência.


Então podemos ver que nossa aceitação da tradição da "propriedade intelectual" tem efeitos negativos em nossos esforços para pensar criticamente e aprender sobre nossa herança artística e filosófica. O que podemos fazer para resolver esse problema?

Uma das possíveis soluções é o plágio.


2. O Plágio e o Revolucionário Moderno


O plágio é um método especialmente eficiente de se apropriar e reorganizar idéias, e como tal pode ser uma ferramenta útil para um jovem homem ou mulher que procura encorajar pensamentos novos e empolgantes em outras pessoas. E é um método revolucionário pois não reconhece direitos da "propriedade intelectual", pelo contrário, a ataca, assim como ataca todos os efeitos negativos que seu reconhecimento pode trazer.


O plágio foca sua atenção no conteúdo, longe de questões incidentais, tornando as verdadeiras origens do material impossíveis de serem confirmadas. Além disso, como sugerido anteriormente, podemos argumentar que de qualquer forma as verdadeiras origens da maioria das inspirações e proposições são impossíveis de determinar. Ao assinar um novo nome, ou não assinar nome nenhum, a um texto, o plagiador coloca o material num contexto completamente novo, e isso pode criar novas perspectivas e novos pensamentos sobre o assunto. O plágio também torna possível combinarmos as melhores ou mais relevantes partes de vários textos, criando um novo texto com muitas das virtudes dos antigos ― e algumas novas virtudes também, uma vez que a combinação de materiais de fontes diferentes pode resultar efeitos imprevisíveis, e também pode destravar possibilidades ou significados ocultos que estiveram dormentes nos textos por anos. Finalmente, acima de tudo, plágio é a reapropriação de idéias: quando um indivíduo plagia um texto que aqueles que acreditam em propriedade intelectual considerariam "sagrado", ela afirma que não há diferenças hierárquicas entre ela e o pensador de quem ela pegou. Ela pega as idéias do pensador para si mesma, para expressar como ela achar melhor, ao invés de tratar o pensador como autoridade cujo trabalho ela teria o dever de preservar como ele o intencionou. Ela nega, de fato, que há uma diferença fundamental entra o pensador e o resto da humanidade, apropriando-se do material do pensador para se tornar propriedade da humanidade.


Pois afinal, uma boa idéia deveria estar disponível para todos ― deveria pertencer a todos ― se realmente é uma boa idéia. Numa sociedade organizada para a busca da felicidade humana, leis de infração de direitos autorais e restrições similares não impediriam a distribuição e recombinação de idéias. Estes impedimentos só tornam mais difícil para os indivíduos que procuram por materiais inspiradores e desafiadores encontrá-los e compartilhá-los com os outros.


Então, se realmente "não há nada de novo neste mundo", vamos levar isso ao pé da letra, e agir de acordo. Pegue o que parece relevante para a sua vida e suas necessidades das teorias e doutrinas daqueles que vieram antes. Não tenha medo de reproduzir palavra por palavra aqueles textos que parecem perfeitos, para que você possa compartilhá-los com os outros que então poderão se bebeficiar deles também. E, ao mesmo tempo, não tenha medo de roubar idéias de fontes diferentes e reorganizá-las de maneiras que você acha mais úteis e empolgantes, mais relevantes a suas próprias necessidades e experiências. Você pode criar um corpo personalizado de pensamentos críticos e criativos, com elementos reunidos de diversas fontes, ao invés de apenas escolher uma entre várias ideologias pré-fabricadas que lhe são oferecidas. Afinal, nós temos idéias ou elas nos têm?



3. Linguagem e a autoria propriamente dita

Palavras, convenções musicais e artísticas, símbolos e gestos, tudo isto é útil somente porque as temos em comum ― isso por si só as faz moeda para a comunicação. Os seres humanos, assim como tudo mais no mundo, não são entidades isoladas: cada um de nós existe como parte de uma vasta rede, como uma intersecão de fios que chegam de todas direções. Nenhum de nós poderia ser o que somos se não fosse pelos outros à nossa volta e que nos precederam, e o mundo natural além ― nossos pensamentos são construídos a partir dos idiomas falados em nosso entorno, nossos valores e narrativas a partir dos objetos achados neste mundo; representamos nossas experiências e memórias para nós mesmos nas configurações desenvolvidas pela civilização que nos criou.


Isto não quer dizer que nada seja original; pelo contrário, tudo é original, pois toda expressão, toda ação, não importa quantas vezes for repetida, tem origem num ponto único na rede de relações humanas. Mas isso ao mesmo tempo significa que a recontextualização de elementos pré-existentes (que algumas pessoas chamam de "plágio") é essencial a toda comunicação. E se toda expressão é ao mesmo tempo emprestada e única, é absurdo tentar separar expressões em só uma das duas categorias. Sim, cada um de nós participa na continuidade e evolução das línguas que falamos; mas na verdade, a linha entre imitação e inovação é tão nebulosa que qualquer distinção será arbitrária.


Se esse é o caso, então vamos deixar que os cientistas descubram os detalhes cronológicos de quem foi a primeiro a organizar palavras ou notas musicais em uma determinada ordem. Muito mais importante, para nós, é o que podemos fazer com estas combinações de elementos compartilhados.


Alguns reclamam para si os direitos de propriedade sobre combinações que acreditam (corretamente ou não) terem sido os primeiros a aplicar; muitos justificam isso insistindo que essas combinações são a expressão perfeita de suas emoções ou experiências, e que aqueles que o lêem ou escutam ganham acesso direto à sua alma. Mas o fato é que, um poema ou canção sempre tem um significado diferente para o leitor ou ouvinte do que para quem o compôs. O leitor aplica as palavras às suas próprias experiências, busca em seu coração para ver quais palavras ressonarão com as emoções únicas que ele sente. Goste ou não, uma vez que você cria algo e o libera no mundo, sua criação assume vida própria nas reações e emoções que provoca nos outros ― e ela não lhe responderá ou representará exceto por coincidências. Para o escritor, o verdadeiro significado do trabalho é no ato de criação em si, no moldar e rearranjar as formas. Aqueles que esperam ter controle dos produtos de sua criação vivem em negação.


Logo, podemos abandonar todas superstições em torno da assinatura do autor ― a questão da chamada autenticidade, a glorificação da auto-expressão, o conceito de propriedade intelectual ― e ver a assinatura pelo que ela realmente é: outro elemento da composição. A assinatura de um trabalho é parte do processo criativo: ela oferece um contexto no qual o trabalho será interpretado. De toda forma, que assinatura pode capturar verdadeiramente todas as origens de um trabalho, se levarmos em consideração todos os componentes discrepantes e antigos que compõem qualquer obra de arte, e todas as relações humanas e inovações que são necessárias para alcançá-las? A propósito, se a noção de identidades fixas e distintas dos indivíduos também é uma superstição, isso torna absurda até mesmo a possibilidade de uma assinatura individual! Se nós quiséssemos ser honestos. deveríamos assinar o nome de toda nossa civilização à nossa poesia ou cerâmica, e adicionar o selo do cosmos na qual ela cresceu ― tornando o trabalho efetivamente comunitário.


Se este é o caso, se a assinatura é somente mais um elemento da composição, faz tanto sentido colocar a assinatura de outra pessoa ou um nome falso (completo talvez com uma identidade fabricada), dependendo de qual vai oferecer um contexto que melhorará o conteúdo da obra. Pois, uma vez que estivermos livres da ilusão de que podemos possuír expressões, podemos focar na verdadeira questão de como criar expressões - contexto e tudo - que mais nos ajudarão a encontrar a nós mesmos e aos outros... e então, transformar o mundo que encontramos.



Aviso: Todo esse papo de roubo artístico não é para ser considerado um incentivo à mera repetição. Jovens aprendizes de plagiadores algumas vezes esquecem completamente de re-contextualizar, e acham que é o suficiente apenas papagaiar o que ouvem por aí. Mas você provavelmente não vai dizer nada tão real ou importante como isso, vai?

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