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Teses sobre o Bolchevismo
Helmut Wagner


O estabelecimento do estado soviético foi o estabelecimento da dominação do partido do maquiavelismo bolchevique. A base sociológica desse poder estatal, autonomizado das classes que o apoiaram e que criou a burocracia bolchevique, era composta pelo proletariado e o campesinato russos. O proletariado, encadeado pela filiação compulsória aos sindicatos e pelo terrorismo da Checa, era a base da economia estatal bolchevique sob o controle da burocracia. O campesinato ocultava e esconde, ainda hoje, as tendências ao capitalismo privado da economia russa. Em sua política interna, o bolchevismo oscilava entre as duas tendências. Tentou dominá-las através de métodos violentos, como o plano quinzenal e a coletivização forçada. Mas, na prática, apenas tem incrementado as dificuldades econômicas, chegando ao ponto de exasperar as tensões econômicas entre operários e camponeses. O experimento da economia nacional planificada burocraticamente não pode ser considerado, de modo algum, como um êxito. Os grandes cataclismos internacionais que ameaçam a Rússia só podem exacerbar os conflitos do seu sistema econômico, até fazê-los intoleráveis e, provavelmente, acelerar a ruína desse – até agora – gigantesco experimento econômico.

A economia russa está determinada essencialmente pelas seguintes características: apóia-se nas bases de uma produção de mercadorias; é gerida segundo as normas da rentabilidade; revela um sistema capitalista de remuneração, com salários e ritmos de trabalho acelerados; e, por fim, leva os refinamentos da racionalização capitalista ao extremo. A economia bolchevique é produção estatal que utiliza métodos capitalistas.

Essa forma de produção estatal inclui também a mais-valia, que é extorquida ao máximo dos trabalhadores. A mais-valia não beneficia direta e abertamente a nenhuma classe da sociedade russa, mas enriquece o aparelho parasitário da burocracia no seu todo. Além de sua bastante custosa manutenção, a mais-valia produzida contribui para aumentar a produção, garantir o apoio da classe camponesa e para regular as dívidas no exterior. Portanto, a mais-valia produzida pelos operários russos não só beneficia a camada economicamente parasitária da burocracia no poder, mas os camponeses russos, enquanto setor particular do capital internacional. A economia russa é, pois, uma produção de lucro e de exploração. É capitalismo de estado nas condições históricas particulares do regime bolchevique, ou seja, uma produção de tipo capitalista que se diferencia da dos países mais industrializados e pretende ser muito mais avançada.

O capitalismo de estado bolchevique coloca o problema da libertação do proletariado russo novamente na agenda. A nova revolução proletária na Rússia, contra a burocracia bolchevique e seu estado, assim como contra o campesinato capitalista que tem se fortalecido politicamente nas coletividades, somente pode ocorrer em conexão com uma revolução proletária nos grandes estados capitalistas. Esta é tão inevitável quanto aquela. Especificamente, se considerarmos que o capitalismo de estado bolchevique e a sua política de industrialização acelerada tem melhorado suas perspectivas.

A política exterior da URSS tem sido determinada pela necessidade de reforçar a posição do partido bolchevique e do aparelho estatal controlado por ele. Economicamente, o governo russo tenta estabelecer uma base industrial forte. O isolamento da economia da Rússia exigiu uma vigorosa política de supressão da autarquia forçada, com a manutenção do controle do monopólio do comércio exterior. Tratados comerciais, concessões e transações para obter créditos volumosos restabeleceram os laços da economia estatal russa com a produção capitalista mundial e o seu mercado, no qual Rússia entrou – em parte como cliente cortejada, em parte como competidora feroz. Por outro lado, essa política econômica, ligada ao capitalismo mundial, obrigou o governo russo a cultivar relações amistosas e pacíficas com as potências capitalistas. Os princípios duma política mundial bolchevique, se é que existiram, foram subordinados de modo oportunista aos acordos comerciais. Toda a política exterior do governo russo tem se caracterizado por uma diplomacia capitalista e, assim, separou definitivamente, no campo internacional, a teoria bolchevique de sua prática.

O bolchevismo pôs, no centro de propaganda da III Internacional para o exterior, a tese do «cerco imperialista da União Soviética», ainda que tal frase não concordasse minimamente com as complicadas linhas de conflitos dos interesses imperialistas e seus agrupamentos continuamente cambiantes. O bolchevismo tentou mobilizar o proletariado internacional a serviço de sua política exterior, mediante uma política semiparlamentar e semigolpista praticada pelos partidos “comunistas”, para fomentar distúrbios nos países capitalistas e, assim, fortalecer a posição diplomática e econômica da Rússia.

Os conflitos entre a Rússia e as potências imperialistas desencadearam a contrapropaganda da III Internacional, sob as consignas: «Ameaça de guerra contra a U.R.S.S.», «Defendei a União Soviética». Assim, como esses conflitos lhes eram apresentados como os únicos determinantes da política, os proletários não podiam compreender a realidade efetiva dos fatos da política mundial. Os membros dos partidos “comunistas” foram convertidos, sobretudo, em cegos e oportunistas defensores da União Soviética, ignorando que ela ocupa, há muito tempo, um lugar privilegiado na política imperialista mundial.

O perpétuo grito de alarma, diante de uma guerra iminente das potências imperialistas aliadas contra a U.R.S.S., serviu na política interior para justificar a militarização intensiva do trabalho e o aumento da pressão sobre o proletariado russo. Ao mesmo tempo, contudo, a União Soviética tinha – e tem – o maior interesse em evitar um conflito militar com outros estados. A sobrevivência do governo bolchevique depende internamente, em grande medida, de sua capacidade para evitar toda convulsão, tanto militar quanto revolucionária, na política exterior. Então, a III Internacional, em flagrante contradição com sua teoria e propaganda internas, dedica-se na prática a sabotar todo verdadeiro desenvolvimento revolucionário proletário e, nos partidos “comunistas”, difunde a concepção de que a tarefa de consolidar as bases econômicas e militares da União Soviética é prioritária em relação ao avanço da revolução proletária na Europa. Por outro lado, ainda que seja para salvaguardar seu prestígio, o governo russo não poupa gestos de hostilidade contra as potências imperialistas. Mas, na prática, sempre capitula. Um exemplo: a «venda» da via férrea manchu ao imperialismo japonês. O reconhecimento, às pressas, da União Soviética pelos Estados Unidos da América, nesse mesmo momento, é mais uma prova de que os poderes imperialistas também sabem, nos limites de seus interesses conflitantes, avaliar positivamente a União Soviética. Mas, sobretudo: a União Soviética tem reiterado seus laços com o capitalismo iniciando e estreitando relações econômicas particularmente firmes com a Itália fascista e a Alemanha de Hitler. A União Soviética se apresenta como um sólido apoio econômico e, portanto, político, da maioria das ditaduras fascistas mais reacionárias da Europa.

Essa política de entendimento incondicional entre a URSS e os países capitalistas imperialistas não tem só razões econômicas, nem é só uma expressão de inferioridade militar. A «política de paz» da União Soviética está, mais bem, totalmente garantida decisivamente pela situação interna do bolchevismo. De fato, a “política de paz” da União Soviética depende decisivamente da situação do bolchevismo no interior do país. Sua sobrevivência enquanto potência estatal autônoma depende de seu êxito em manter um equilíbrio entre a classe operária dominada e o campesinato. Apesar do avanço realizado na industrialização do país, o campesinato russo conserva ainda uma posição de força. Primeiro, em suas mãos está em grande medida, apesar das políticas repressivas, os recursos alimentícios do país. Segundo, a coletivização fortaleceu não só o poder econômico, mas também o poder político do campesinato, que como antes luta por interesses capitalistas privados. (De fato, a «coletivização» na Rússia significa uma união coletiva de camponeses proprietários privados que continuam utilizando métodos capitalistas de contabilidade e distribuição.) Terceiro e finalmente, numa guerra, o armamento em massa do campesinato criaria as condições para desencadear uma série de violentas rebeliões camponesas contra o poder bolchevique; assim como, por outro lado, uma revolução do proletariado na Europa faria provável uma rebelião aberta dos operários russos. Nessas bases, a política de entendimento entre o governo russo e as potências imperialistas é uma necessidade vital para o absolutismo bolchevique.

A própria III Internacional foi utilizada para manipular o proletariado internacional, para subordiná-lo aos objetivos oportunistas de glorificação nacional e da política de segurança internacional do estado russo. Fora da Rússia, a III Internacional se constituiu a partir da unificação dos quadros revolucionários do proletariado europeu. Usando a autoridade da revolução bolchevique, o princípio organizativo e tático do bolchevismo foi imposto na III Internacional com brutalidade e sem considerar as cisões que provocava. O comitê executivo da III Internacional – outra ferramenta da burocracia russa no poder – assumiu o comando de todos os partidos “comunistas” e a política desses partidos perdeu de vista completamente os interesses revolucionários da classe operária internacional. As frases e resoluções revolucionárias serviram de coberta para a política contra-revolucionária da III Internacional e seus partidos, que à maneira bolchevique se tornaram partidos da traição à classe operária e da demagogia irrestrita, como eram os partidos social-democratas. Assim como o reformismo pereceu, no sentido histórico, com a fusão do seu aparelho com o capitalismo, a III Internacional naufragava ao se unir à política capitalista da União Soviética.


Teses sobre o Bolchevismo
O internacionalismo dos bolcheviques e a "questão nacional" O Bolchevismo estatizado e a III Internacional O Bolchevismo e o proletariado internacional
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