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Vinícius Falcão


O que é o Estado?[]

Não estou interessado em discutir com os teóricos do direito para que serve o Estado, pelo menos não no sentido de pensar em “para que o Estado DEVERIA servir?”, prefiro tirar a discussão da metafísica – ou “dever ser” para os “direitistas” (com o perdão do trocadilho) – e trazer para a imanência.


Assim sendo, não importa, para mim, pensar o elaborar de um projeto de Estado que diz como ele deve agir, pois eu correria o risco de ignorar todo o fim da história e tentar fazer o Estado cumprir uma função que não pode. Nesse sentido, exigir que o Estado busque o “bem comum” e funcione como um “pára-choques” na medida em que faz a mediação dos conflitos entre as pessoas de forma totalmente imparcial – ou equilibrando as “parcialidades sociais” – é algo “belo”, porém infecundo, o Estado nunca fez e nunca fará isso.


Antes de prosseguir nesta discussão, devemos nos perguntar uma coisa muito importante, que os teóricos do direito sempre deixam escapar ou respondem metafisicamente (aliás, o direito é uma “ciência metafísica”), ou seja, desconsiderando a historicidade. E a pergunta é precisamente esta: “do que o estado é composto?”. O Estado é um corpo instituicional-burocrático que compreende um poder subdividido em três funções, que se articulam ora harmônica, ora desarmonicamente (dependendo dos interesses das pessoas que os desempenham) – muitas vezes há também desarmonia dentro das próprias funções (dependendo dos interesses). Essas três funções são: o judiciário, o executivo e o legislativo. Podemos dizer que o judiciário é composto pelos juízes, desembargadores e ministros (de varas, tribunal de justiça e tribunais superiores, respectivamente); e o legislativo é composto pelas casas legislativas: câmaras de vereadores, assembléia legislativa, senado federal e câmara dos deputados (estas duas últimas, juntas, formam o congresso nacional).


A função executivo é o mais abrangente e disperso das três, enfim, o mais impreciso de todos. Não obstante as outras funções algumas vezes agirem como a executiva (e vice-versa), somente o executivo é ambíguo por si só, difícil de ser definido. O presidente, os ministros, os governadores, prefeitos e os secretários (dos estados e municípios) formam o executivo, mas não são somente eles. Todos os funcionários públicos desempenham alguma função executiva. O poder executivo é burocrático por natureza, por isso, muitas vezes, uma funcionária desconhecida pode se tornar mais importante que o presidente da república no caso concreto, tal é o grau de imanência deste poder. E esta é a grande diferença entre legislativo e judiciário para o executivo, diferença de natureza: enquanto os dois primeiros são sumamente metafísicos, posto que lidam com o “descer ser” abstrato que nunca se concretiza mas é sempre por eles perseguido, o executivo lida com os fatos concretos, é totalmente imanentista e tem, inclusive, legitimidade para burlar a lei em certos casos (em outros burla sem ter e é perfeitamente compreendido pelas outras funções em que se divide o poder do Estado). Os autores do direito também dizem que o estado é o povo e o território. Concordo que seja o território, pois sem um espaço físico nenhum Estado existe, mas discordo que seja o povo. Mesmo no tresloucado “dever ser direitista” o Estado é o povo, ele pode ser ocupado por pessoas do povo, pode até ter em suas práticas reflexos das práticas populares, mas ainda não é o povo em sua inteireza e complexidade. O Estado não é o povo da mesma forma que uma empresa não é o povo. O Estado, portanto, é uma empresa que tem uma série de privilégios garantidos não pelo “contrato social” baseado no “bom selvagem” do “Estado de natureza” (que nunca existiu de fato como teorizado pelos contratualistas), mas, de outra maneira, pelo monopólio da força que é sinônimo de Estado, mais ainda, da FUNÇÃO EXECUTIVA.


Depois de responder esta pergunta podemos perseguir o raciocínio sobre a investigação “o que é o Estado?”. Em linhas gerais, podemos dizer que o Estado não é nada mais, nada menos do que o comitê gestor dos interesses de uma pequena parte do povo, que ocupa o aparelho de Estado (ou a máquina de Estado, como queira) para se beneficiar – ainda que não o faça diretamente. Por isso mesmo, até hoje e para sempre, todo aparelho de Estado irá funcionar à base do desrespeito aos direitos individuais (que são fundados e postos na maior parte das vezes pelas próprias cartas constitucionais dos Estados) do povo, ou da parcela do povo que não ocupa o aparelho repressor do Estado. Este Estado é uma regra, sem exceção (pelo menos até os dias atuais) e até mesmo o Estado socialista praticado em Cuba ou na URSS seguiu este modelo. Todo Estado segue este modelo (com pequenas nuances no que diz respeito à estrutura, embora a centralidade do poder executivo e a função cumprida por ele mude pouco, quase nada).


A superação do Estado[]

Se o Estado é sempre um instrumento de poder que, por meio de vários artifícios – em última instância do MONOPÓLIO DA FORÇA COATIVA –, visa garantir as sobreposição de uma parte do povo sobre outra, devemos, portanto, querer a superação do Estado para que nossas vidas, possam, então, não viver mais sob esta eterna coação. A burguesia percebeu isto quando começou a se formar. Havia, na época, o Estado total, monárquico, onde o rei e o Estado eram uma só e mesma coisa, tudo estava submetido ao seu poder, às suas vontades, à sua figura, o rei era como o sol e, em torno dele, girava o resto da sociedade, como os planetas em torno do sol (este tipo de Estado ganhou o ápice com Luiz XIV, rei da França). Não que o rei impedisse o progresso do capitalismo (modelo econômico que os burgueses tentavam implementar), mas, certamente, aquele tipo de Estado sufocava e atrapalhava o seu desenvolvimento.


Portanto, foi importante, para os burgueses, não acabar com o Estado, mas adentrar a seu aparelho de poder, foi assim na Inglaterra com a revolução gloriosa e, posteriormente, com a monarquia constitucional parlamentarista, onde a figura do rei já não era mais suprema, posto que havia a figura do primeiro ministro, tirando do rei a função de chefe de governo, ou seja, do executivo, deixando o rei como uma mera figura representativa, tendo somente a função de chefe de Estado (que é muito mais simbólica e diplomática do que concreta). A burguesia não questionava, portanto, o Estado e a violação das liberdades individuais, apenas queria se livrar de ser um mero sustentáculo do Estado Absoluto e passar a ser gestora do poder opressor exercido pelo Estado. Foi assim na Inglaterra e na França com suas revoluções, que não fora simplesmente um momento estaque (diga-se de passagem) com a saída do rei do “centro das atenções”, mas um processo lento que perdurou entre os séculos 18 e 19 por toda Europa. Naturalmente tal processo contou com avanços e retrocessos, até chegar aos tempos atuais, em que a burguesia conseguiu formatar um tipo de Estado (chamado pelos “direitistas” de “Estado democrático de direito”) capaz de atender totalmente a seus interesses com o chamado “modelo político-representativo”. Neste meio tempo também os comunistas se deram conta da forma naturalmente opressora do Estado. Mas temos dois grandes “tipos “ de comunistas: os socialistas e os anarquistas.


Os socialistas e o Estado[]

A relação que os socialistas matêm com o Estado é um tanto complicada, pois, como herdeiros de Marx eles são, também e ao mesmo tempo, herdeiros da dialética hegeliana, por mais que imputem a Hegel um caráter metafísico e a eles mesmos um caráter “histórico-dialético”). Dessa forma, o sr. Marx não é favorável à simples implosão do Estado, mas à formatação de um “Estado de transição” capaz de, dialeticamente, resolver as “desigualdades” postas para, só então, se auto-destruir.

O problema é que o sr. Marx “não conhece” a natureza humana (ou finge não conhecer). Sua descrição do capitalismo é muito boa, talvez a melhor já feita até hoje, a teoria do fetichismo da mercadoria exposta no primeiro livro da obra “O capital” é sem dúvidas fantástica, mas seu projeto para uma superação do capitalismo, para a concretização de tal superação é ainda muito metafísico, pois ele ainda aceita de alguma forma a idéia de Estado, ou seja, um Estado ideal por que os socialistas devem putar. Dessa forma, mal ou bem, o alvo dos socialistas-marxistas é o Estado, mais do que isso, é ocupar o Estado, o aparelho de Estado, de forma que ao percorrer esta movimento até os acentos do Estado não seja destruída toda a estrutura opressora. Como diz Foucault num artigo chamado “Poder-corpo” do livro “microfísica do Poder”: “Para poder lutar contra um Estado que não é apenas um governo, é preciso que o movimento revolucionário se atribua o equivalente em termos de forças político−militares, que ele se constitua, portanto, como partido, organizado – interiormente − como um aparelho de Estado, com os mesmos mecanismos de disciplina, as mesmas hierarquias, a mesma organização de poderes. Esta conseqüência é grave. Em segundo lugar, a tomada do aparelho de Estado − esta foi uma grande discussão no interior do próprio marxismo − deve ser considerada como uma simples ocupação com modificações eventuais ou deve ser a ocasião de sua destruição? Você sabe como finalmente se resolveu este problema: é preciso minar o aparelho, mas não completamente, já que quando a ditadura do proletariado se estabelecer, a luta de classes não estará, por conseguinte, terminada... E preciso, portanto, que o aparelho de Estado esteja suficientemente intacto para que se possa utilizá−lo contra os inimigos de classe. Chegamos à segunda conseqüência: o aparelho de Estado deve ser mantido, pelo menos até um certo ponto, durante a ditadura do proletariado.


Finalmente, terceira conseqüência: para fazer funcionar estes aparelhos de Estado que serão ocupados mas não destruídos, convém apelar para os técnicos e os especialistas. E, para isto, utiliza−se a antiga classe familiarizada com o aparelho, isto é, a burguesia.” (Foucault, Michel, “Microfísica do poder, p. 85). Foucault esclarece bem o que se passa no movimento que “herda” o pensamento de Marx. A ingenuidade e o viés perigoso deste aparelho de Estado é que ele simplesmente funciona da mesma forma que o burguês, a única mudança é no conteúdo: quem o “comanda” são os operários (operários estes que, como disse sabiamente o grande anarquista Bakunin: "ASSIM, SOB QUALQUER ÂNGULO QUE SE ESTEJA SITUADO PARA CONSIDERAR ESTA QUESTÃO, CHEGA-SE AO MESMO RESULTADO EXECRÁVEL: O GOVERNO DA IMENSA MAIORIA DAS MASSAS POPULARES SE FAZ POR UMA MINORIA PRIVILEGIADA. ESTA MINORIA, PORÉM, DIZEM OS MARXISTAS, COMPOR-SE-Á DE OPERÁRIOS. SIM, COM CERTEZA, DE ANTIGOS OPERÁRIOS, MAS QUE, TÃO LOGO SE TORNEM GOVERNANTES OU REPRESENTANTES DO POVO, CESSARÃO DE SER OPERÁRIOS E PÔR-SE-ÃO A OBSERVAR O MUNDO PROLETÁRIO DE CIMA DO ESTADO; NÃO MAIS REPRESENTARÃO O POVO, MAS A SI MESMOS E SUAS PRETENSÕES DE GOVERNÁ-LO. QUEM DUVIDA DISSO, NÃO CONHECE A NATUREZA HUMANA."), ou de antigos operários agora travestidos de burocratas. Este Estado, não no ideal previsto teoricamente em livros e discursos, mas na prática história se mostrou duplamente falho: tanto no viés econômico (pois foi um fracasso do ponto de vista de prover seu povo com um mínimo de recursos para que não passassem por privações ultrajantes); bem como no viés teleológico, ou seja, no seu objetivo de se auto-destruir tão logo as “desigualdades” fossem superadas dialeticamente através da história, o Estado socialista falha ante a seu objetivo e não poderia ser diferente, posto que todo estado tem como caráter central a manutenção das estruturas sociais vigentes.


Mais ainda, tal Estado não consegue sequer superar o capitalismo, pois manteve o tripé que o sustenta: trabalho alienado (trabalho que produz mais-valia); propriedade privada (posto que o Estado é DONO dos meios de produção, dessa forma o Estado é o único burguês, muito embora o Estado não seja uma pessoa que tem vontades ele próprio, o Estado é controlado por pessoas, dessa forma, na prática, os burguesas são não os donos dos meios de produção, mas os controladores dos meios de produção – na prática isso não faz diferença); capital (muito mais como consequência das outras duas pilastras: se há propriedade dos meios de produção, há trabalho alienado – já que o homem não se apropria de seu trabalho; e, se há trabalho alienado, há capital, posto que existe uma retroalimentação automática do trabalho que acontece fora do controle do próprio homem, a mercadoria ganha, ou continua tendo, o valor de fetiche). E é por isso que tal Estado é mais perigoso que o Estado burguês, embora de toda forma, os 2 sejam INDESEJÁVEIS, já que suprimem os direitos individuais. O modelo de transição pensado por Marx, portanto, é institucional, mas as instituições estão submetidas às vontades de quem as controla e não ao contrário.

Os anarquistas e o Estado[]

Os anarquistas percebem que todo Estado (por mais “bem intencionado” que sejam seus controladores) é violador dos direitos individuais. Ora, sendo assim é preciso negar qualquer forma de Estado ou de organização que o valha. Não têm, portanto, a ingenuidade institucional dos marxistas. Os anarquistas, portanto, não reconhecem a legitimidade de qualquer ordem institucional que se arroube ao direito de controlar a vida e a forma de organização das pessoas. Assim, para os anarquistas, entre o Estado e o comunismo, não há uma fase de transição. Falando de forma filosófica: negam a herança histórico-dialética de Hegel (ainda que transmutada para uma forma imanentista).


O comunismo se conquista sem transição alguma na anarquia?[]

Por último temos que tornar claro um pensamento que, à primeira vista faz sentido, mas, com um pouco de perspicácia, cairá por terra. Muitos devem perguntar se a conquista de uma sociedade sem Estado para os anarquistas se dará sem transição alguma. Eu diria que não e sim, ao mesmo tempo, pois, na verdade, não há uma transição instituída, de fato, um período de transição bem compreendido e delimitado: “hoje começa o período de transição e dia tal do mês tal do ano tal” termina. Não. Pois os anarquistas, mas do que negar o Estado e reconhecerem como ilegítima sua existência, visam primeiro a afirmação do comunismo (sociedade auto-gerida e, portanto, sem Estado ou qualquer instância que “faça vez” de Estado) e, só depois momento, negam a existência daquilo que atrapalha o que visam, o que afirmam. Daí posso perceber duas coisas: a luta anárquica, formalmente falando, se parece mais com a luta burguesa que com a luta dos marxistas, ou seja, os anarquistas (assim como os burgueses) são movidos por um profundo primeiro sentimento de AFIRMAR o que querem, negam o que atrapalha sua inicial afirmação. Em outras palavras: os anarquistas não são revolucionários ressentidos. Este é o argumento que pode confirmar a não transição. A segunda coisa, como eu disse, é a investigação que tenta vislumbrar outro momento no horizonte de compreensão. Sem desprezar o outro momento, mais difícil de ser percebido, pois nos é muito mais próximo, está na superfície, e não temos o costume de atentar para os detalhes, para os ruídos que vem da superfície. A transição não se dá fora do Estado, mas dentro dele, pois os anarquistas, para superar o Estado, não precisam de um documento que diz “ESTÁ VINDO O ESTADO FULANO DE TAL”, eles simplesmente podem agir como se tal Estado não existisse, como se seu poder não lhes importasse e só “batem de frente” no momento em que tal Estado perturbar suas vidas.


O problema é que, para tal coisa se por em prática, precisamos de um grande número de anarquistas, de pessoas que realmente queiram ser livres e que, para tanto, não coloquem, à frente da liberdade, a segurança que o Estado (burguês ou proletário) as dá em troca da liberdade, dos direitos individuais por ele violado. A transição anárquica é micro-política, está, portanto, na prática diária e individual das pessoas e não no alto das instituições.



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