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Teses sobre o Bolchevismo
Helmut Wagner


Devido à peculiar combinação social de elementos feudais e capitalistas, a revolução russa enfrentava também outros problemas difíceis. No essencial, diferia tão fundamentalmente da revolução burguesa clássica, como a sociedade do absolutismo russo de princípios do século XX diferia da sociedade do absolutismo francês do século XVII.

Essa diferença, que correspondia à dualidade da estrutura econômica, encontrava a sua mais clara expressão política na atitude das diversas classes da Rússia face ao czarismo e à revolução. Do ponto de vista de seus interesses econômicos, todas essas classes estavam fundamentalmente em oposição ao czarismo. Mas, na prática, essa oposição diferia não só em grau, era também completamente distinta quanto aos seus objetivos.

A nobreza feudal lutava, antes de tudo, para estender a sua influência sobre o estado absolutista, desejando mantê-lo intacto para conservar seus privilégios.

A burguesia, numericamente débil, politicamente dependente e diretamente ligada ao czarismo pelas subvenções estatais, conheceria inúmeras mudanças de orientação política. O movimento decembrista de 1825 fora sua única ação revolucionária contra o estado absolutista. Nos anos 70 e 80, apoiou o movimento revolucionário dos narodnikis, com o propósito de aumentar a pressão sobre o czarismo. Também tentaram utilizar, com o mesmo fim, os movimentos grevistas revolucionários até as lutas de outubro de 1905. Seu objetivo não era já a derrubada, mas a reforma do czarismo. No período parlamentar, de 1906 à primavera de 1917, cooperou com o czarismo. Finalmente, a burguesia russa, temendo as conseqüências das lutas revolucionárias das massas proletárias e camponesas, rendeu-se incondicionalmente à reação czarista por ocasião do golpe de Kornilov, cujo objetivo era restaurar o poder do Czar. Tornara-se contra-revolucionária muito antes de ter concluído as tarefas da sua própria revolução. Portanto, apesar de ser uma revolução burguesa, a revolução russa se fez não só sem a burguesia, mas diretamente contra ela. O que teria repercussões fundamentais no conjunto de sua política.

Os camponeses, que constituíam a maioria esmagadora da população russa, converteram-se no grupo social que, pelo menos passivamente, determinava a revolução russa. Enquanto o campesinato médio e superior, numericamente menos importante, defendia uma política liberal, pequeno-burguesa, os pequenos camponeses famintos e escravizados, numericamente predominantes, estavam forçados a realizar expropriações violentas das grandes fazendas. Incapazes de perseguir uma política de classe própria, os elementos camponeses russos tiveram que seguir a direção de outras classes. Até fevereiro de 1917 tinham sido, apesar de revoltas esporádicas, um baluarte do czarismo. Como resultado da sua imobilidade e atraso massivos, fracassara a revolução de 1905. Mas, em 1917, foram decisivos para acabar com o czarismo, que os tinha organizado em grandes unidades do exército russo, paralisando com sua passividade o desenvolvimento das ações militares. Por meio de suas primitivas mas eficazes revoltas, durante o subseqüente curso da revolução, suprimiram a propriedade latifundiária e criaram as condições necessárias para a vitória da revolução bolchevique, que, não teria sido capaz de superar os anos da guerra civil sem a solidariedade do campesinato.

Apesar do seu atraso, o proletariado russo tinha acumulado uma enorme combatividade, devido à implacável opressão czarista e capitalista. Participou com enorme tenacidade nas ações da revolução burguesa russa, convertendo-se no seu instrumento mais aguçado e confiável. Como cada um de seus enfrentamentos com o czarismo se tornava uma ação revolucionária, o proletariado desenvolveu uma consciência de classe primitiva que, nas lutas de 1917, especialmente na ocupação espontânea das principais empresas, elevou-se à altura da vontade subjetiva do comunismo.

A intelectualidade pequeno-burguesa desempenhou um papel específico na revolução russa. Intoleravelmente restringidas nos assuntos materiais e culturais, obstruídas no progresso profissional e instruídas nas idéias mais avançadas de Europa ocidental, as melhores forças da intelectualidade russa foram a vanguarda do movimento revolucionário. Mediante sua direção, imprimiram-lhe um selo pequeno-burguês, jacobino. O movimento social-democrata russo, dirigido por revolucionários profissionais, constitui essencialmente um partido da pequena-burguesia revolucionária.

Para a solução dos problemas apresentados pela revolução russa, surgiu uma peculiar combinação de forças. As massas camponesas eram seu alicerce passivo; as massas proletárias, numericamente débeis ainda que revolucionariamente fortes, representavam sua arma de combate; a pequena fração de intelectuais revolucionários era seu cérebro.

Essa estrutura triangular era um desenvolvimento necessário da sociedade czarista, que estava dominada politicamente pelo estado absolutista, autonomizado, baseado nas classes possuidoras sem direitos políticos: a nobreza feudal e a burguesia. Os peculiares problemas, implícitos no cumprimento de uma revolução burguesa sem a burguesia e contra ela, tinham sua origem no fato de que, para derrocar o czarismo, era necessário mobilizar o proletariado e o campesinato numa luta pelos seus próprios interesses e, portanto, destruir não só o czarismo mas as formas existentes de exploração feudal e capitalista. Numericamente, os camponeses teriam sido capazes de manejar o assunto sozinhos, mas não estavam politicamente capazes, pois só podiam efetivar seus interesses de classe subordinando-se à direção de outra classe, que determinaria a medida em que os interesses de classe do campesinato seriam atendidos. Em 19l7, os operários russos desenvolveram os começos duma política de classe, comunista e autônoma, mas careciam dos pressupostos sociais para sua vitória, pois a vitória da revolução proletária teria que ser, também, uma vitória sobre o campesinato. Isto era impossível para o proletariado russo que, nos seus diversos estratos, não superava os dez milhões. Assim, eles tinham que subordinar-se, como os camponeses, à direção dum grupo de intelectuais que não estavam organicamente ligados aos seus interesses.

A obra dos bolcheviques foi criar a direção da revolução russa e desenvolver uma tática apropriada para a mesma. Eles fizeram o que parecia impossível: criar a aliança entre duas classes antagônicas - as massas camponesas em luta pela propriedade privada e o proletariado que luta pelo comunismo - possibilitando a revolução sob aquelas difíceis condições e assegurando o seu êxito ao manter junta essa combinação operário-camponesa com os férreos laços da ditadura de seu partido. Os bolcheviques constituem o partido dirigente da intelectualidade pequeno-burguesa revolucionária da Rússia e cumpriram a tarefa histórica da revolução russa consistente em vincular a revolução burguesas do campesinato à revolução comunista da classe operária.



Teses sobre o Bolchevismo
As premissas da revolução russa As classes na revolução Russa A essência do Bolchevismo
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