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Massacre no Campo de Golfe


White Witch Golf Course

O gramado verde é quase todo ele uniforme, exceto as manchas de areia, uma ou outra árvore e pequenas lagoas artificiais. Estamos em um campo de golfe, não um minigolfe qualquer, mas um campo de golfe de exclusividade. Empresários passeiam com seus chapéus e tacos, competindo em tom amistoso com políticos e profissionais liberais aposentados, um ou outro artista, um ou outro esportista, todos eles vedetes da nata da sociedade.


Ao seu redor empregados solícitos aparam a grama, dirigem os carrinhos de golfe, carregam as bolsas e tacos, ninguém os vê para além de um serviço. Da sua parte, sua grande ambição é uma ambiciosa gorjeta, sombras de uma relação de exploração, escombros assalariados sorridentes sobre a grama verde sob o céu azul.


Talvez alguém possa se perguntar como chegamos até aqui, neste lugar e nesta situação? Os antigos romanos jogavam pagânica, algo que se parecia com o golfe atual, mas seria o mesmo que o golfe atual? Coincidências ou continuidades entre o mundo dos impérios e o das corporações? Não tenho respostas quanto a isso mas não sei se importa se na Escócia do século XV o golfe era um esporte popular, na atualidade jogá-lo é reconhecidamente um símbolo de poder e prestígio.


O tempo corre de maneira distinta sobre a grama verde, para quem se diverte e para quem trabalha, pode-se resumir tudo a uma questão de distinção.


Sometimes i golf..

Talvez alguém (quem sabe um pobre luterano laico, um bom funcionário daqueles que vestem a camisa da empresa e têm o patrão como exemplo) se indignasse: "Mas estes bons homens ricos, que são a nata de nossa sociedade, fizeram por merecer tudo do que dispõem através de seu trabalho, sua inteligência e audácia!" Diria eu - "Para você, seu tolinho, nada de gorjeta até que reflita sobre as implicações do termo 'distinção'".


Pense na indumentária do jogador, em sua luva e seus muitos diferentes e caros tacos, lembre-se de seus movimentos arrojados, puxe na memória quais pessoas possuem tempo livre para uma partida golfe - para se reunirem e confraternizarem em torno de tão nobre objetivo: encaçapar uma pequena bola em um pequeno buraco com alguns obstáculos em seu caminho, distribuídos por milhares de metros de gramas verdes e areais decorando sua obsolescência.


Agora tente (não) se lembrar das crianças de rua e dos pedintes sem calçados que caminham pelo asfalto quente da sua cidade. (Não) se esqueça também dos miseráveis boia-frias sem bola nem buraco em meio às cinzas dos canaviais realizando movimentos semelhantes ao do jogador de golfe com seus facões na 'última limpa'. Coloque os lembrados e os esquecidos lado a lado - tente imaginá-los caminhando (não sobre o verde do campo de golfe, nem sobre o cinza do asfalto, ou das cinzas de um canavial) mas sobre um fundo branco, totalmente estático.


Plant soldier

Quem toleraria tamanho disparate? Você não é ninguém na alta sociedade se não demonstrar que está para além dos 'comuns'.


O que alguém como o 'bom funcionário' não sabe é que distinção pode ser tomada como sinônimo de exclusividade. Exclusividade por sua vez é um termo bonito para a palavra exclusão. O campo de golfe só tem valor por ser 'de exclusividade', ou seja, para a maioria das pessoas por 'N' motivos a possibilidade de se estar em um campo de golfe está vetada.


Como certas corridas de cavalo e as caças à raposa na Inglaterra, o campo de golfe é sobretudo um espaço de distinção onde se junta a "nata" da sociedade para confraternizar em torno, não da bola ou do buraco, mas sim do reconhecimento de seu próprio status. Sua grama macia não deve ser pisada por certos pés, aqueles que o freqüentam não desejam ver em sua paisagem além dos funcionários a lhes servir mais do que uns poucos iguais a eles próprios, todos de acordo com um status e uma estética de exclusividade.


Parafraseando um homem sensível do século XVIII:

«O primeiro homem que havendo cercado um pedaço de terra e transformado este em um campo de golfe, disse 'aqui jogam os que como eu podem e ninguém mais' e encontrou pessoas tolas o suficiente para acreditarem nas suas palavras, este homem foi o verdadeiro fundador da sociedade de classes.»

Que legitimidade têm esses patifes para se darem o direito à campos de golfe em um mundo em que a grande maioria sobrevive em apartamentos minúsculos e favelas? Em um verdadeiro campo de golfe não há inocentes.


Easter golf

Propagandear um massacre nessas circunstâncias, longe de ser um crime é uma questão de sobriedade. Realizá-lo seria sobretudo um ato desesperado de justiça social. Com motosserras ou rifles de precisão, pistolas, granadas ou coquetéis molotov - que bela cena ver garotos vestidos de negro sobre o gramado verde manchando tudo de vermelho pela abolição da sociedade dos campos de golfe.


Alguns poderiam dizer "mas este seria um ato inconseqüente que poderia ser utilizado contra os pobres e anarquistas!" Então eu retrucaria "E de que ato inconseqüente são culpadas as 30.000 crianças que morrem de fome todos os dias ao redor do globo? Quem se indigna com suas mortes que não aparecem nos jornais nem nas TVs? O mundo está cheio de inconsequências. Por que alguém deveria se revoltar com a morte de uma dúzia de burgueses e não com as mortes dessas 30.000 crianças?"


Posso até imaginar a matéria na CNN: THE GOLF CAMP IS UNDER ATACK! Talvez junto com as câmeras da tevê chegassem policiais de todos os tipos transformando a ação em uma forma espetacular de suicídio altruísta. Mas ainda assim ninguém teria o direito de obrigar alguém que vivesse mal a não se rebelar com todas suas forças contra toda essa misantropia.


A paráfrase agora prossegue em um tom tarantino :

«Quantos crimes, guerras e assassínios, de quantos horrores e misérias não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando os marcos e tapando os buracos, tivesse puxado uma arma e matado a tiro o ex-futuro golfista dizendo aos seus semelhantes: Livrem-se de escutar esse impostor; pois estarão perdidos se esquecerem que os campos são de todos e a terra é de ninguém!»



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