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Bolo'Bolo (livro)
P.M.


Pili

Se o ibu resolve ficar, vai entrar numa variedade de formas de comunicação e trocas com seus (substitutos) companheiros-ibus. Vai piscar para eles, falar com eles, tocá-los, fazer amor com eles, trabalhar com eles, contar a eles sobre suas experiências e conhecimentos. Todas essas são formas de pili, comunicação, educação, troca de informação, expressão de pensamentos, sentimentos, desejos.

O processo de transmissão e desenvolvimento do conhecimento e das identidades culturais é em si mesmo parte da carga cultural (nima). Toda cultura é ao mesmo tempo sua própria pedagogia. A função da transmissão cultural foi usurpada por instituições especializadas como escolas, universidades, prisões, etc. Nos bolos não haverá tais instituições; aprender e ensinar vão ser um elemento integrado da vida mesma. Todo mundo vai ser estudante e professor ao mesmo tempo. Como os jovens ibus vão estar em volta dos velhos nas bolo-oficinas, cozinhas, fazendas, bibliotecas, laboratórios, etc., podem aprender diretamente de situações práticas. A transmissão de sabedoria, know-how, teorias, estilos, vai sempre acompanhar todo processo produtivo ou reflexivo. Tudo vai ser perturbado pela aprendizagem.

Com exceção dos termos básicos de bolo’bolo (asa’pili)[1], ninguém tem obrigação de ser alfabetizado e de saber regra de três. Os bolos certamente podem ensinar os jovens ibus a ler, escrever e fazer contas se acharem isso necessário à sua cultura. Pode ser que certos bolos desenvolvam habilidades e paixões pedagógicas especiais, de forma que jovens ibus de outros bolos possam ir lá e aprender certas matérias. Ou, se houver consenso bastante num bairro ou cidade (tega, vudo), um tipo de sistema escolar pode ser organizado. Mas tudo isso será completamente voluntário e diferente de lugar para lugar. Não haverá padronização dos sistemas escolares nem programas oficiais.

Pili

A nível de empreendimentos maiores e mais especializados (hospitais regionais, estradas de ferro, usinas de energia elétrica, pequenas fábricas, laboratórios, centros de computação, etc.), o conhecimento pode ser adquirido no trabalho. Cada engenheiro, médico ou especialista vai ter alguns aprendizes e lidar com eles a nível pessoal. Claro que podem combinar cursos especiais para eles ou mandá-los para outros mestres ou bolos especializados. O conhecimento vai circular livremente e numa base prática, pessoal, voluntária. Não existirão seleções, graus, diplomas e títulos padronizados. (Qualquer pessoa pode se autodenominar doutor ou professor se assim lhe aprouver.)

Para facilitar a circulação de conhecimentos e técnicas, vizinhos das comunidades maiores podem organizar centros de intercâmbio cultural, mercados de conhecimento. Nessas academias recíprocas todo mundo poderia oferecer aulas ou cursos e atender aos outros. Antigos prédios escolares ou sótãos poderiam ser usados para essas propostas, adaptados através da adição de arcadas, colunatas, banheiros, bares, etc. Nos prédios haveria teatros, cinemas, cafés, bibliotecas, etc. O programa dessas academias também poderia ser parte do acervo local de informação computadorizada para que cada ibu pudesse descobrir onde encontrar tal ou tal tipo de treinamento ou instrução.

Como os ibus têm um monte de tempo disponível, a científica, mágica, prática e lúdica transmissão de capacidades vai aumentar consideravelmente. A expansão de seus horizontes culturais será provavelmente a atividade principal do ibu, mas sem nenhum caráter formal. O desaparecimento dos sistemas centralizados, de alta energia e alta tecnologia, vai tornar também supérflua a ciência centralizada, burocrática, acadêmica. Mas não há perigo de uma nova idade das trevas. Haverá mais possibilidades de informação e pesquisa; a ciência estará ao alcance de todos, e os tradicionais métodos analíticos serão possíveis, entre outros, sem ter o status privilegiado que têm hoje. Os ibus evitarão cuidadosamente depender de especialistas e usarão processos que eles mesmos controlem.

Como acontece com outras especialidades, existirão certos bolos ou academias (nimasadi) famosos pelo conhecimento que pode obter lá, e que serão visitados por ibus de todo o mundo. Mestres, gurus, feiticeiras, mágicos, sábios, professores de todos os tipos e de grande reputação (Munu) em suas áreas vão viver cercados de estudantes. As regras mundiais de hospitalidade (sila) encorajam esse tipo de turismo científico muito mais do que pode ser feito sob as concessões atuais. A universidade vai virar universal.

A comunicação em si terá um caráter diferente nas condições de bolo’bolo. Hoje ela é funcional e centralizada, raramente voltada para a compreensão mútua, os contatos horizontais, as trocas. Os centros de informação (TV, rádio, editoras, bancos eletrônicos de dados) decidem o que a gente precisa para ajustar o comportamento às funções da Máquina do Trabalho. Como o sistema atual é baseado em especialização, isolamento e centralização, a informação é necessária para prevenir um colapso. As notícias se originam do fato de ninguém ter tempo para se importar com os acontecimentos de sua própria comunidade. Você tem que ouvir o rádio para saber o que está acontecendo na esquina. Quanto menos tempo temos para dar atenção aos fatos, mais precisamos de informações. À medida que perdemos contato com o mundo real passamos a depender da realidade falsa e substituta que é produzida pela comunicação de massa. Ao mesmo tempo perdemos a habilidade de perceber nosso meio ambiente imediato.

Graças a suas intensivas interações internas e trocas recíprocas, bolo’bolo reduz a quantidade de eventos não-experienciados e assim a necessidade de informação. Notícias locais não têm que ser transmitidas por jornais ou sistemas eletrônicos, porque os ibus têm tempo e oportunidades suficientes para fazer isso pessoalmente por via oral. Tagarelar e fazer fofoca nas esquinas, nos mercados, nas oficinas, etc., é tão bom quanto qualquer jornal local. O tipo de notícia vai mudar, de qualquer modo: nada de política, nem de escândalos políticos, nada de guerras, corrupção, atividades estatais ou multinacionais. Já que não existirão acontecimentos centralizados, não haverá mais notícias sobre eles. Poucas coisas vão "acontecer", isto é, o palco das novidades de cada dia se desloca da abstrata máquina de comunicação para a bolo-cozinha.

A primeira vítima dessa nova situação será a grande imprensa. Esse meio não somente permite pouquíssima comunicação recíproca (cartas ao editor são meros álibis), mas causa uma enorme perda de madeira, água e energia. A informação impressa será limitada a boletins de todos os tipos, atas de assembléias de bairro ou da cidade (dala) e comunicados. A "liberdade de imprensa" será devolvida aos usuários. Podem surgir muito mais publicações irregulares de todos os tipos de organismos, bolos, coletivos de escritores, indivíduos, etc.

A função e o uso dos livros também vão mudar. A produção em massa de livros será drasticamente reduzida, uma vez que poucas cópias bastam para suprir as bolo-bibliotecas. Mesmo que se imprimissem livros em escalas de cem, o acesso dos ibus aos livros seria melhor. Com as bolo-bibliotecas evita-se um imenso desperdício de madeira, trabalho e tempo. O livro em si será de qualidade melhor e com maior valor de estima. Será mais do que apenas uma fonte de informação descartável, como os jornais quase sempre são. Informações puramente técnicas ou científicas que precisam estar disponíveis instantaneamente em qualquer lugar podem ser estocadas em computadores eletrônicos e impressoras quando for necessário. O livro enquanto objeto voltará a ser uma obra de arte, como na Idade Média. Em certos bolos, estúdios caligráficos, farão cópias iluminadas e manuscritos que, como outras especialidades, poderão ser trocados como presentes ou transados no mercado.

Infoshop pili

bolo’bolo não será uma civilização eletrônica – computadores são típicos de um sistema centralizado, impessoal. Os bolos podem ser completamente independentes da eletrônica, já que sua autarquia em muitos setores não requer tanta troca de informação. Por outro lado, o material e a tecnologia que já existem poderiam ser úteis ao bolos para certas coisas. Rádio, televisão, centrais e redes de informática são energeticamente eficientes e permitem um contato horizontal melhor entre os usuários do que os outros meios. Redes locais de TV por cabo, estações de rádio, videotecas, etc., podem ser instaladas por organismos locais (ver tega, vudo) e permanecer sob controle dos usuários.

Quando a eletrônica é usada pelos bolos, pouquíssimo material é suficiente; haverá poucos casos semelhantes aos dos subutilizados computadores domésticos de hoje. Poucas fábricas (uma ou duas por continente) poderiam produzir o equipamento necessário e tratar da reposição de peças. Neste momento já existe um terminal de computador para cada bolo do planeta – não é preciso produzir mais. A rede telefônica também poderia ser completada de modo que cada bolo pudesse ter ao menos uma central. Isso quer dizer que ela poderia ser conectada com processadoras ou bancos de dados regionais ou planetários. Naturalmente, cada bolo teria que decidir, com base em seu passado cultural, se iria precisar ou não desses meios de comunicação.

Como geralmente o transporte físico seria mais lento, menos freqüente e de capacidade menor que o de hoje (ver fasi), uma rede eletrônica de comunicação ajudaria bastante. Se você quer contactar um bolo basta telefonar – assim todo ibu pode alcançar virtualmente qualquer outro ibu. Uma rede de comunicação horizontal seria o complemento ideal para a auto-suficiência. Independência não precisa ser sinônimo de isolamento. Para os bolos há um risco mínimo de depender de tecnologia e de especialistas; eles sempre podem recorrer a suas próprias aptidões e aos contatos pessoais. (Sem bolos e autarquias relativas, a tecnologia da informática é apenas um meio de controle para a máquina central.)

Informações rápidas e extensivas podem trazer um poder adicional aos bolos, isto é, acesso a uma variedade mais ampla de possibilidades. Cada bolo pode pesquisar diferentes programas num banco de dados e assim saber onde conseguir certos produtos, serviços ou técnicas a uma distância razoável e com a quantidade desejada. Assim os presentes, os contratos permanentes de troca, as viagens, etc., tudo poderia ser facilmente arranjado sem a menor necessidade de dinheiro.


Referências

  1. ASA'PILI

    Conjunto de Asa'Pili


Bolo'Bolo (livro)
Nugo Pili Kene


Textos

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